sábado, 22 de novembro de 2008

Elegia re-sentida


Sinto a sua falta.
Sinto que devo sentir a sua falta.
Sinto que talvez somente assim: invisíveis, inaudíveis, intocáveis
Nos sintamos, sem sintomas.
Eu sinto muito.

terça-feira, 11 de novembro de 2008

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

O Extraordinário é tão comum (basta querer vivê-lo todos os dias...)


Minhas costas doem. Primavera: segundo a medicina chinesa são comuns as dores musculares. Com sono e tendo que acordar cedo no dia seguinte, quase deixo o cotidiano me fazer esquecer o extraordinário minúsculo e mágico dos momentos em que o tempo é suspenso sem que o percebamos.
Acordei hoje com os cachorrinhos chorando. Pulei da cama assustada e, para variar, atrasada. Vesti uma roupa bonita, separada no dia anterior, para abrir bem a semana. Me troquei, mas senti falta de algo que complementasse o meu visual.
Do emaranhado de colares me saltou um aos olhos, que há muito tempo eu não usava. Não sei por que resolvi colocar aquele colar especial, feito por minha amiga Iana – índia fulni-ô porreta, irmã de alma, dessas que em menos de um dia a gente já confia sem saber.
Coloquei no pescoço a lembrança (feita com dentes de boto – para atrair fortuna) que ela me deixou antes de voltar para sua terra natal em Pernambuco, e só então senti que estava tudo certo e que eu podia inaugurar a semana me sentindo bonita.
Pensei na Iana o dia todo. Logo pela manhã, depois de ter que ir contrariada para uma comissão de seleção de projetos de cultura popular em um hotel da cidade (pois ninguém me havia avisado disto antes), conheci uma menina que também era de Pernambuco e mostrei o colar feito por minha amiga Fulni-ô. No almoço continuei lembrando muito da Iana sem nenhuma razão...
No final da tarde, como o carro do Ministério da Cultura não foi me buscar (como havia sido combinado), acabei preferindo voltar a pé para onde meu carro estava estacionado. Na verdade, até pensei em pegar um ônibus, mas como estavam todos lotados, desisti...
Fui andando (e como caminhar pela cidade é bom!) e, sem ver, já estava em outra freqüência, bailando, fazendo das buzinas apressadas dos carros cantigas de roda e vendo nos faróis vermelhos e verdes, balões de festas juninas.
Fui pela rodoviária em direção à Esplanada dos ministérios – um dos meus lugares favoritos da cidade. Passando pelo Museu da República, escuto um “ Psiu!” vindo da parada de ônibus. Quando olho, para minha surpresa, vejo um primo da Iana, a minha amiga fulni-ô! Nossa! Não o via há tempos, desde que saí da FUNAI!
Claro que, antes mesmo de perguntar como ele estava, interrogo exclamando e segurando o meu colar: “E a Iana? Pensei nela o dia todo não sei por que!” Ao que ele me responde com naturalidade: “vai ver que ela também está pensando em você!”
Pergunto se ela está bem e ele responde que sim – os fulni-ô estão no tempo da celebração do Ouricuri – ritual religioso que começa em outubro e vai até dezembro e sobre o qual nós, os não-índios, não podemos saber nenhum detalhe ( e, provavelmente por isso mesmo, por manterem em segredo seus rituais sagrados, os fulni-ô sejam um dos únicos povos indígenas do nordeste a manter sua língua materna viva até os dias de hoje).
Ele me oferece o endereço dela, eu anoto prontamente e sigo meu caminho lembrando de cada ensinamento silencioso que aprendi com ela. Lembro dela me falando sobre seu deus que não tem cara, que não tem nome (pelo menos ela não o revelou a mim), que está nas árvores e nos rios, nas luas e nos sorrisos, no vento embaraçando os seus cabelos lisos e negros, no canto dos pássaros, no brilho nascente da estrela da manhã – Toi-ã-nê (o nome da sua filha, que eu não sei como se escreve, mas que sei exatamente como pronunciar...).
Me emociono e, ainda caminhando em nuvens, falo com ela em pensamento, imaginando como lá de onde ela está, o céu deve estar mais limpo, desnudando as constelações que eu somente conseguiria ver do meu computador utilizando o Stellarium...
Fico feliz, feliz, feliz por tudo isso ter acontecido e por uma coisa que provavelmente passaria despercebida por muitas pessoas, significar tanto para mim...
Fico contente por durante alguns minutos eu ter esquecido de tudo para viver a emoção desse momento de reencontro invisível e inesperado em que Brasília e Águas Belas se tornaram o mesmo lugar fora do tempo, e eu pude ver a fumaça do cachimbo da Iana se comunicando com os deuses que habitam cá e lá e todos os lugares e também pude ouvir baixinho a sua risada de mulher vivida rindo da minha inocência, graças a todos os deuses e deusas mantida, quando eu me lembrei, já indo para casa, de algo que uma outra querida amiga-libélula me havia dito há alguns dias atrás:
“ - Vc é otimista?
- Sim, talvez... Mas que culpa tenho eu se nem tudo no mundo está perdido?”


sábado, 30 de agosto de 2008

Presente



Respiro como há muito tempo não fazia.
Minha pele está em flor: prenúncio de primavera na minha alma,
ela, há tanto tempo desbotada pelo contentamento do mais ou menos...
Renasço sem fazer esforço, pois é assim que deve que ser.
Morrer dói, se reconstruir também, e é inevitável.
Mas depois do luto, arco-íris de desejos brotam, frios na barriga gotejantes viram rios de correnteza forte.
E a luz, depois de um tempo de sombras, irradia mais doce.
A vida pulsa, canções novas ecoam, as idéias ganham asas e pernas para nos levarem mais longe, desde que nos aproximemos de nós mesmos.
A roda gira implacável, como havia sido prometido:
O que está em baixo sobe, o que está em cima desce.
E assim é tecida a teia interminável das nossas vidas -
a única coisa que se pode decidir é se nos deixamos enredar, ou se nos libertamos para saborear infinitamente as surpresas pelo caminho...


Desenho de Thaís Werneck - encantada com as cerejeiras em flor e com a cultura japonesa.

sexta-feira, 22 de agosto de 2008

Aniversário


Final de inverno em Brasília. O ar seco fere os nossos pulmões. Um Cometa inusitado aparece no céu acima da Catedral. Ipês amarelos explodem em flores enquanto eu os vejo ficando para trás, a 80 km por hora. Estou no meu caminho, cada hora para um lugar diferente. Lágrimas quase saem dos meus olhos emocionados pela beleza das cores, das formas e do silêncio contemplativo que se instala . Um sorriso irrompe. É manhã, o sol está brilhante em Leão e dentro de mim, e eu agradeço a ele pela minha vida, pela brisa que entra enquanto eu abro a janela – da alma - para ver direito a criação divina que é o mundo e a minha existência.

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Em homenagem a Alakina e seus filhotes

"Os pais devem ser arcos dos quais os filhos são lançados como flechas vivas" Gibran Khalil

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Por amor a mim mesma

Eu admito que tenho muitas fraquezas, que não dou o braço a torcer, que muitas vezes falo mais do que escuto, que sou competitiva, que penso muito em mim, que tenho ciúme e sou possessiva, que sou desconfiada e maliciosa, que tenho inveja, que tenho muito medo de coisas que não conheço e principalmente das mais conhecidas. Eu admito que de vez em quando tenho desprezo e desdém por mim mesma e pelos outros, admito que tem horas que engulo todos os palavrões que gostaria de gritar aos quatro ventos e fico com dor de garganta, admito que meu joelho às vezes dói por causa do meu orgulho ferido e que eu odeio confessar isso. Eu sei que como o Sérgio Sampaio, já dormi de touca, perdi a boca e fugi da briga. Eu admito que vivo pensando em motivos convincentes para não ir trabalhar, para faltar a aula e comer mais um pedaço de chocolate. Eu admito que já senti raiva da minha mãe, que já culpei meu pai, que já perdi a paciência com a minha cachorra e esqueci de aguar as plantas. Eu admito que sou inflexível, que odeio críticas, que sou "do contra" e mimada. Eu admito que gosto de chamar a atenção, que não cumpro todas as minhas promessas, que algumas vezes os segredos dos outros me escapam pela boca e que eu minto... Eu admito que já traí, que já namorei o menino que a minha melhor amiga gostava, que fingi que gozei. Eu admito que não li Guimarães Rosa, que só vi um filme de Glauber Rocha e que não gostava de música popular brasileira. Eu admito que algumas vezes sou egoísta, que julgo os outros, que sou precipitada e impaciente. Eu admito que o dinheiro tem lá seus lados bons, apesar de eu desprezar o capitalismo. Eu admito que é muito arriscado me acomodar. Eu admito que muitas vezes não sei para aonde eu vou, que fico perdida e que tenho vergonha de chorar na frente dos outros. Eu admito que sinto raiva, que guardo mágoa, que sou apegada a muitas coisas e que muitas vezes não abro mão da minha opinião, sou teimosa e gosto de dar a última palavra.
Eu admito as minhas sombras, eu admito que sou humana...

quarta-feira, 9 de julho de 2008

Textículo em defesa dos rabos dos animais!


Não! Eu não cortarei os rabinhos dos filhotes recém-nascidos da minha cachorrinha. Insistiram para que eu o fizesse até o quinto dia de vida dos bebês, simples assim: com um tesoura se faz um corte e depois é só não esquecer de passar bastante remédio para não infeccionar. E fazem isso há tempos! Cortam o rabo, as orelhas dos bichos, suas asas e tem gente que tem coragem de dizer que não deixaria sua cadela cruzar para que ela não engordasse!
Bem, se você acha que seu animal de estimação é mais um mero objeto de decoração, desses que deixam a sua casa mais chic, sim, procure um veterinário que seja a favor de mutilações em animais e o pague por debaixo dos panos (porque agora é proibido fazer isso!) para que ele, em um "clic", te deixe na moda.
Caso você seja da vertente que considera os amimais seres vivos como você, os bons e velhos melhores amigos que enchem a sua casa de alegria e de beleza com seus latidos sinceros de afeto e reconhecimento,saberá que quanto maior for seu rabo, mais felicidade o bichinho poderá demonstrar quando balança-lo (em várias velocidades - isso depende da ocasião)inteiro e inocente.
Riu, riu...

segunda-feira, 30 de junho de 2008

O poeta é um fingidor...

O poeta pode sim ser um fingidor, mas eu ainda acho fundamental praticar o que se diz (ou se escreve).
Fiquei pensando esses dias em como as pessoas são teóricas, em como eu também o sou. Quantas teorias bonitas, quantos discursos sobre o mundo, sobre comportamentos, sobre a espiritualidade, sobre caminhos, sobre a ética. Tão pouca prática!
Será possível transformar o mundo por meio de palavras e idéias apenas? Se essas palvras e idéias chegam ao maior número possível de pessoas através da nossa AÇÃO, creio que sim. Mas se ficamos na inércia e na cômoda posição de nos acharmos superiores por termos pensamentos nobres e elevados sobre a existência, enquanto a vida vai passando, acho que viveremos sempre em um mundo de ilusão...
Nesse caso, melhor ser uma pessoa ordinária que age de acordo com o que diz, do que uma nobre pessoa que só fala, fala, fala...
Por tudo isso, decidi que a partir de agora vou fazer menos discursos e agir mais, de acordo com as minhas possibilidades, filosofia e de acordo com a REALIDADE.
Sonhar é bom, realizar o que se sonha é melhor ainda... e isso, só se FAZ na PRÁTICA.

domingo, 29 de junho de 2008

Resoluções de um bruxa

"Que eu seja como a que tece o pano na floresta, profundamente escondida.
Que eu possa fazer o meu trabalho sem interrupção.
Que eu seja uma exilada, se é este o sacrifício.
Que eu conheça a procissão sazonada do meu espírito e do meu corpo, e possa celebrar os quartos em cruz, solstícios e equinócios.
Que cada Lua Cheia me encontre a olhar para cima, nas árvores desenhadas no céu luminoso.
Que eu possa acariciar flores selvagens, cobri-las com as mãos.
Que eu possa libertá-las sem apanhar nenhuma, para viver em abundância.
Que meus amigos sejam da espécie que amam o silêncio.
Que sejamos inocentes e despretenciosos.
Que eu seja capaz de gratidão. Que eu saiba ter recebido a alegria, como o leite materno.
Que eu saiba isso como o meu gato, nos ossos e no sangue.
Que eu fale a verdade sobre a alegria e a dor, em canções que soem como o aroma do alecrim, como todo o dia e na antiguidade, erva forte de cozinha.
Que eu não me incline à auto-integridade e à autopiedade.
Que eu possa me aproximar dos altos trabalhos da terra e dos círculos de pedra, como a raposa ou a mariposa, e não perturbar o lugar mais que isso.
Que meu olhar seja direto e minha mão firme.
Que minha porta se abra àqueles que habitam fora da riqueza, da fama e do privilégio.
Que os que jamais andaram descalços não encontrem o caminho que chega à minha porta.
Que se percam na jornada labiríntica.
Que eles voltem.
Que eu me sente ao lado do fogo no inverno e veja as achas brilhando para o que vier, e nunca tenha necessidade de advertir ou aconselhar, sem que me peçam.
Que eu possa ter um simples banco de madeira, com verdadeiro regozijo.
Que o lugar onde habito seja como uma floresta.
Que haja caminhos e veredas para as cavernas e poços e árvores e flores, animais e pássaros, todos conhecidos e por mim reverenciados com amor.
Que minha existência mude o mundo não mais nem menos do que o soprar do vento, ou o orgulhoso crescer das árvores.
Por isso, eu jogo fora minha roupa.
Que eu possa conservar a fé, sempre.
Que jamais encontre desculpas para o oportunismo.
Que eu saiba que não tenho opção, e assim mesmo escolha como a cantiga é feita, em alegria e com amor.
Que eu faça a mesma escolha todos os dias, e de novo.
Quando falhar, que eu me conceda o perdão.
Que eu dance nua, sem medo de enfrentar meu próprio reflexo."


(Rae Beth)

Retirado de "A toca da loba"
http://lunabrigantia.multiply.com/journal?&=&page_start=20

quarta-feira, 25 de junho de 2008

Em homenagem ao Rajneesh, ao herói e a Bob Marley

Estou viva! - gritou dentro de si para si.
"O líquido tinto da terra ainda corre deliciosamente nas minhas veias, aromas amadeirados servidos em taças de metal frio inflamam meu fogo entusiasta. Sangue quente... Estou viva... Em cada um dos cinco elementos que me compõem."
Seus dedos ansiosos e contentes buscavam letras que pudessem expressar um pouco da sensação que havia provado há um minuto atrás: a de se sentir viva e de saber, em um lampejo passageiro e misterioso, que não precisava haver motivo algum para se estar vivo.
Sentir isso era a plenitude de simplesmente ser! Talvez fosse essa a plenitude sobre a qual haviam comentado alguns gurus, desses que falam bem "slowly"...
Sentir aquilo deveria ser comum como respirar: afinal para os gurus, o encantador e o mágico não deveriam passar de cotidianeidades... segundo eles, a plenitude deveria ser nosso estado de espírito mais constante... isso é o que dizem certos gurus...
E talvez estejam mesmo plenos de razão...

sábado, 17 de maio de 2008

segunda-feira, 12 de maio de 2008

Meu anjo da guarda é uma linda cachorrinha (em homenagem à Nina: 1992 - 2004)

Uma vez escrevi um poema que se perdeu... ele falava das nuvens (nuages - era em francês) que eram os pêlos brancos da minha querida Nina. As letras se perderam, talvez elas nem dissessem nada sobre o amor que sinto (ainda sinto) por ela...
Lágrimas lavam meus olhos... lavam meus olhos de tudo que existe de feio e sujo no mundo, porque a lembrança dessa minha amiga enche meus olhos de tudo que é bonito e bom, de tudo que é puro e verdadeiro como o carinho que existiu (e ainda existe) entre nós duas...
Hoje ela faria 16 anos, a Nininha, cachorrinha mais doce que já conheci - a única vez que a vi brava foi ao enfrentar um pastor alemão que tinha o dobro do tamanho dela!
Nos conhecemos quando eu ainda tinha onze anos, me acompanhou até os 23... passamos por muitas coisas juntas! De seqüestro e greve de fome (não comi nada até que me entregassem ela de volta!), pé quebrado (correndo atrás dela em volta da mesa), primeiro namorado e ciúmes (ela era taurina!) até o dia em que ela amanheceu, de repente, com vontade de ir conhecer outros lugares e, antes de ir embora, me acordou com seu chorinho meigo para se despedir... foi quando eu experienciei pela primeira vez a saudade que a morte traz.
Deixo aqui essa homenagem a ela, em nome da eternidade e da sinceridade da nossa amizade... e agradeço pela suave brisa que me acaricia com o som mudo do sorriso dos seus olhos cor de mel ...
Sei que ela estará sempre comigo de alguma maneira...

domingo, 27 de abril de 2008

If Thou Must Love Me

Poema de Elizabeth Barrett Browning.

SONNET XIV

If thou must love me, let it be for nought
Except for love's sake only. Do not say
«I love her for her smile... her look... her way
Of speaking gently,... for a trick of thought

That falls in well with mine, and certes brought
A sense of pleasant ease on such a day» —
For these things in themselves,
Belovèd, mayBe changed, or change for thee, — and love, so
[ wrought,

May be unwrought so. Neither love me for
Thine own dear pity's wiping my cheeks dry, —
A creature might forget to weep, who bore

Thy comfort long, and lose thy love thereby!
But love me for love's sake, that evermore
Thou may'st love on, through love's eternity.

...


SONETO XIV

(Tradução: Manuel Bandeira)

Ama-me por amor do amor somente
Não digas: «Amo-a pelo seu olhar,
O seu sorriso, o modo de falar
Honesto e brando. Amo-a porque se sente

Minh'alma em comunhão constantemente
Com a sua.» Porque pode mudar
Isso tudo, em si mesmo, ao perpassar
Do tempo, ou para ti unicamente.

Nem me ames pelo pranto que a bondade
De tuas mãos enxuga, pois se em mim
Secar, por teu conforto, esta vontade

De chorar, teu amor pode ter fim!
Ama-me por amor do amor, e assim
Me hás de querer por toda a eternidade.


Leiam, de Virginia Woolf, " Flush. Memórias de um cão". Maneira linda que ela encontrou para contar a história de Elizabeth Barret Browining e Robert Browning.

Escritos antigos...

Lendo minha agenda de 1999 [ naquela época ainda não imaginávamos a existência de blogs (pelo menos não eu, que só mui recentemente venho aderindo às novas tecnologias) e talvez fôssemos mais introspectivos, menos exibicionistas, quem sabe, ou simplesmente não tínhamos a oportunidade de compartilhar sentimentos e idéias como temos hoje em dia - esta é uma possibilidade mais otimista e menos crítica], achei alguns poeminhas bonitinhos escritos por mim... há nove anos atrás, quando eu comecei a me apaixonar e viver essas paixões de maneira não platônica e todas as conseqüências disso, antes de eu ter mais o que fazer além de descobrir o mundo, quando os conflitos ainda despontavam, longe... enfim: quando eu era ainda "apenas" uma adolescente.
Lendo meus escritos daquela época, não só as poesias, mas o que eu pensava e sentia diariamente, me surpreendi... vi que muitas vezes o amadurecimento, os anos a mais, ofuscam nossas vistas, pois a inocência é um caminho simples para a compreensão intuitiva do mundo e do universo, compreensão esta que nós adultos tentamos desenvolver hoje em dia buscando mil teorias, centenas de oráculos, de gurus, professores, analistas, religiões, bússolas...
A verdade é que não pensar, simplesmente estar deixando as coisas acontecerem, estar maravilhado com tudo é uma maneira tão eficiente (e nessa época também nos ajuda muito não pensar muito em termos de eficiência) de estar conectado com o todo e, por isso, ser sábio sem saber e o melhor: sem querer ser...
O que eu vi ao ler os meus escritos foi leveza, e mesmo os escritos mais "existencialistas" ou tristes (apesar de a maioria deles ter uma tônica mais romântica: algumas coisas não mudam) eram ingênuos. Deixo alguns deles aqui:
...

"Lá vai o meu bem-amado,
que toca gaita e toca fado
tem lá seu jeito de safado
E é de seu amor um grande exagerado

Nas suas mãos meu cabelo enrolado
no seu abraço, o meu beijo embaraçado
E todo o público olha despeitado
Esse casal tão belo e tão apaixonado"
1

"Meus velhos amigos são os astros,
A água, o céu, o chão...
Meus conhecidos se desintegraram
As rochas, a carne e a poeira

Meus amores são as estrelas
Cada uma delas...
A música, os sonhos, seus filhos,
são minha decalaração
De amor e de ódio

Fumaças, cinzas e brasa
Mais doces que as cores,
Mais suaves que a luz

Notas musicais e gritos humanos:
eu moro neles e me escondo em seus tons
À chuva dedico minha existência
E vivo para escutar sua voz
" 2

"Presa - paredes frias e mofadas
Cimento velho, manchado
vidro translúcido, sujo,
ninho de vespas mortas:
Assim é meu lar
quando não moro em você
E o meu mundo é terrível
quando não entra pelas janelas
a brisa do hálito seu.
Estou trancada em mim mesma,
e não posso mais viver nessa casa triste."
3

O primeiro final (é bom poder rir disso agora... eu mal sabia que estava só começando) :

"Eu fecho os meus olhos.
Escrevo no escuro.
Tem estado desabotada
a minha cortina sem luz.
Meu corpo, tudo dói tanto...
Como se eu estivesse doente
Numa cama sem lençóis,
Coberta com o cheiro de ontem,
Vestida de pingos d'água gelados...


Não consigo dormir,
mesmo estando fechados os olhos -
presto atenção aos barulhos.
Escuto ecos de adeuses,
Buzinas teimosas:
Seus adeuses loucos para irem embora,
meu silêncio querendo que você fique.


Não sei mais o que diz essa caneta.
Não sei o que quero que você saiba.
Continuo fechando meus olhos
Para esquecer que ainda respiro,
Pra não lembrar que está dolorido,
Que está tudo errado,
Que ficou tudo triste..."
4


1- que bom era bastar alguém passar na rua assoprando uma gaita para, imediatamente, um poema brotar, despretencioso e bonitinho... me lembro como se fosse ontem...

2- Nessa época eu ainda não estudava astrologia, mas já me inspiravam as estrelas e os elementos... acho que já tava na alma... desde sempre...

3- Eu estava "estudando" na biblioteca da UnB... digamos que a feia vista do local me inspirou esse poema romântico...

4- Primeiro final de namoro (diga-se de passagem: depois de 1 mês, rsrsrs - sempre fui dramática...)

terça-feira, 15 de abril de 2008

Terrorismo Poético

Capítulo de "Caos, os Panfletos do Anarquismo Ontológico" (parte um de "Z. A. T."),
de Hakim Bey

ESTRANHAS DANÇAS NOS SAGUÕES de Bancos 24 Horas. Shows pirotécnicos não autorizados. Arte terrestre, trabalhos- telúricos como bizarros artefatos alienígenas espalhados em Parques Nacionais. Arrombe casas mas, ao invés de roubar, deixe objetos Poético-Terroristas. Rapte alguém e faça-o feliz. Escolha alguém aleatoriamente e convença-o de que ele é herdeiro de uma enorme, fantástica e inútil fortuna: digamos 8000 quilômetros quadrados da Antártida, ou um velho elefante de circo, ou um orfanato em Bombaí, ou uma coleção de manuscritos alquímicos. Mais tarde, ele irá dar-se conta de que acreditou por alguns poucos momentos em algo extraordinário, & talvez, como resultado, seja levado a buscar uma forma mais intensa de viver.

Pregue placas comemorativas de latão em locais (públicos ou privados) onde experimentaste uma revelação ou tiveste uma experiência sexual particularmente especial, etc.
Ande nu por aí.

Organize uma greve em sua escola ou local de trabalho, com a justificativa de que não estão sendo satisfeitas suas necessidades de indolência & beleza espiritual.

A Arte do grafitti emprestou alguma graça à metrôs horrendos & rígidos monumentos públicos. A arte Poético-Terrorista também pode ser criada para locais públicos: poemas rabiscados em banheiros de tribunais, pequenos fetiches abandonados em parques e restaurantes, arte xerocada distribuída sob limpadores de pára-brisa de carros estacionados, Slogans em Letras Grandes grudados em muros de playgrounds, cartas anônimas enviadas a destinatários aleatórios ou escolhidos (fraude postal), transmissões piratas de rádio, cimento fresco...

A reação da audiência ou o choque estético produzidopelo Terrorismo Poético deve ser pelo menos tão forte quanto a emoção do terror: nojo poderoso, excitação sexual, admiração supersticiosa, inspiração intuitiva repentina, angústia dadaísta - não importa se o Terrorismo Poético é direcionado a uma ou a várias pessoas, não importa se é "assinado" ou anônimo; se ele não muda a vida de alguém (além da do artista), ele falhou.

O Terrorismo Poético é um ato em um Teatro de Crueldade que não tem palco, nem assentos, ingressos ou paredes. Para funcionar, o TP deve ser categoricamente divorciado de todas as estruturas convencionais de consumo de arte (galerias, publicações, mídia). Mesmo as táticas guerrilheiras Situacionistas de teatro de rua já estão muito bem conhecidas e esperadas, atualmente.

Uma requintada sedução levada adiante não apenas pela satisfação mútua, mas também como um ato consciente por uma vida deliberademente mais bela: este pode ser o Terrorismo Poético definitivo. O Terrorista Poético comporta-se como um aproveitador barato cuja meta não é dinheiro, mas MUDANÇA.

Não faça TP para outros artistas, faça-o para pessoas que não perceberão (pelo menos por alguns momentos) que o que acabaste de fazer é arte. Evite categorias artísticas reconhecidas, evite a política, não fique por perto para discutir, não seja sentimental; seja impiedoso, corra riscos, vandalize apenas o que precisa ser desfigurado, faça algo que as crianças lembrarão pelo resto da vida - mas só seja espontâneo quando a Musa do TP tenha te possuído.

Fantasia-te. Deixa um nome falso. Seja lendário. O melhor TP é contra a lei, mas não seja pego. Arte como crime; crime como arte

domingo, 13 de abril de 2008

...


Faz parte do meu show não me mostrar por inteiro...

sábado, 5 de abril de 2008


Em homenagem à minha querida amiga Carolina Ferreira Batista de Oliveira, mais conhecida por Carole Carole (ou simplesmente Carol):

Hoje é aniversário Dela, e eu gostaria de dizer tantas coisas...
Gostaria também de passar minha mão de unhas vermelhas em seus cabelos crescentes,
De umidecer meu olhar escutando suas palavras febris que curam nossa apatia.

Queria estar em um carro-céu reluzente, vertiginoso e sem rumo,
refazendo ciclos, girando alegre-mente com Ela –
Parque de diversões diversas: tiro no alvo do meu coração (e eu morreria mesmo de amor por ela!),
Roda gigante ao som de helter skelter ( look out! There she comes!)
Algodão doce, como as nuvens onde ela mora de vez em quando...

Hoje ela faz o melhor dos seus anos em sagitário: animalesca humana alada ...
Arco e flecha ao mesmo tempo: ela se lança e sempre nos a-tinge com suas cores.
Gostaria de estar perto dela nesse momento,no arpoador ou numa copa-cabana em Santa Tereza dos artistas...

Mas fico aqui no planalto central, de olhos CERRADOs,
Lembrando dela e me entortando de saudades,
Tendo certeza que a fonte cristalina do seu amor estará sempre cheia...
Para aguar paixões e fazer brotar novos ipês-estrelas no nosso céu azul

Hoje é aniversário Dela e ela é o nosso PRESENTE: Carpe Diem!
Gostaria de dar risadas de arco-íris com ela, de escutar seu canto em sol e lua
De brindar em homenagem a Baco na Esplanada,
De agradecer aos deuses e deusas pela amizade da ovelha-orvalho negra
(afinal, carneira jamais: ela é de jogar tudo pelos áries!)

Hoje é o dia D - ela
E tudo o que eu tenho a dizer é o que sempre foi dito nos aniversários:
Muitas felicidades nessa data querida!
E que esse abril te abra muitas portas e portais!

Te amo desmedidamente!

sexta-feira, 4 de abril de 2008

Em casa

No meu colo te calas para o mundo
e silencias minha agonia.
Saboreio o doce da tua alma,
Profundamente, sem pensar.
Profanamente me elevo,
por baixo de ti.
E me inocento nos teus beijos...
Quanto mais meu corpo se cansa
eu inteira descanso nos teus abraços,
nos teus olhares incógnitos
que já não precisam dizer mais nada
se, naquele momento, olham para mim.
Inexiste o tempo e os lugares, então...
E eu me sinto mansamente feliz,
como se chegasse em casa
depois de muito tempo
ausente de mim mesma...

quarta-feira, 2 de abril de 2008

E se a inspiração não vem... a gente usa a dos outros!

Publico aqui poeminha lindo, de inspiração plutoniana, da minha querida amiga Regina Knifer.

Samba-mantra Imaginário

quem me dera, imaginação querida,
despertar doce e charmosa e faceira
por entre remelas e bocejos,
se escondem tantos caracóis de desejos...

e a pestana libertaria em malícia
o véu transparente de um beijo
a arrepiar e escorrer pelas entranhas
e a desavergonhar as vergonhas

(na sutil cadência de um mantra,
orvalho de loucuras e begônias...)

tão mulher, tão menina,
tão puta, tão santa
tão bruxa, tão fada,
tão musa, tão farta

que dos meus seios qual mel jorraria
a partitura de um sambinha antigo
a embalar-me, junto ao dorso-abrigo
num prévio suspiro, o futuro desatino:

("se o amor rima com dor,
quero morrer AGORA em ti, em prosa e verso...")

e enfim adormeço, pois já raiou o dia
e cedo calor para a fria agonia,

que é nunca acalmar as agruras,
que é nunca tocar as nervuras,
que é nunca voar nas alturas
das nuvens dos abraços teus...

quem me dera, imaginação querida...

segunda-feira, 24 de março de 2008

Poesia pra você olhar...

Te vês nos meus olhos
e brilhas mais que os astros nas minhas pupilas.
Se sorries para mim, sorries uma vez a mais para ti mesmo.
E quando piscas, embora deixes de ver por alguns segundos,
ainda apareces flutuante nas linhas marrons da minha íris.

Quando sou eu quem pisca,
continuas visível em tudo o que eu sou,
pois teu reflexo não é somente ótica,
teu reflexo é o meu amor por ti estampado nos meus olhos,
e se então eu os fecho, não estás aprisionado neles,
porque existes também em qualquer outra parte de mim.

Passeando pelas minhas sinapses, nadando no meu sangue.
Mutante, invisível, pequeno, plural
Brincando na minha pulsação, escorregando nos meus cachos
para dormir nos meus seios...
E quando te encontras do lado de fora,
Sou eu quem te olha.

Ignoro a minha imagem, que também mora no teu olhar,
para ver somente a ti, agora colorido e singular,
ao alcance das minhas mãos e perto dos meus ouvidos,
Dizendo como me amas sem dizer palavra alguma de amor.

quinta-feira, 13 de março de 2008

Beija-me


Beija-me, amor
Quando quer que tenhas o menor sinal de vontade,
Mas que não sejam nunca poucos
Os teus anseios por mim.

Beija-me, mesmo o mais breve dos beijos -
um beijo que é o instante antes dos teus dedos me tocarem,
quando por dentro estou dormente (sou milhares de reações em cadeia)
e por fora é impossível saber que qualquer indício teu,
até mesmo um olhar desinteressado
faz-me sentir a tua língua passeando por toda minha extensão.

Beija-me, como se estivesses ao meu lado
e te virasses para mim sem me reconhecer -
Como se tudo fosse absolutamente estranho.
Beija-me, sem saber que eu sou o lugar
onde desenhas teus abraços e apagas tua agonia.

E, quer por instinto ou por amor,
Percebe o gosto meu te enlaçando o tempo todo
Em tudo o que te olha com espanto,
Em tudo que só quer um beijo teu,
Quando quer que tenhas o menor sinal de vontade
Porém, o menor sinal da maior de todas as vontades...
(Gravura de E. Munch)

terça-feira, 4 de março de 2008

Desabafo sabor vinho tinto seco

Indignou-se suavemente, como quem fuma uma cigarrilha de chocolate e vê a matéria transformar-se em fumaça aos poucos... numa antiga comunicação com os deuses, esquecida, enterrada, porém tão parte de todos nós.
Sentia-se absolutamente normal... era isso o que ela aparentava ser, já que, por fora, vivia num mundo totalmente anti-natural - o mundo de quase todos nós - o mundo cotidiano e comum dos burocratas, servos, ovelhas, mulherzinhas, machistões, capitalistinhas, pequeno-burgueses, médio-burgueses, burgueses inteiros, políticos, "em cima do muros", esquerdistas corrompidos, direitistas convencidos, ordinária gente cheia de tapa-olhos invisíveis ao olhar geral.
Anestesiando-se para se desanestesiar de uma mesmice sutilmente imposta, ela não se conteve em sorrir cinicamente ao pensar que a liberdade é uma transgressão nesse mundo em que vivemos e, justamente por isso, havia tanta necessidade de transgredir nas mínimas coisas, porque talvez se sentisse menos amarrada em uma teia perversa que simplesmente não faz o menos sentido de ser.
Riu... porque por dentro sabia existir um mundo muito mais rico, cheio de poesia e brincadeira e, lá, ela tinha certeza que jamais seria ordinária... e por esse mundo ser tão real dentro dela, lhe confortava saber que um dia ele existiria fora dela também...
E nesse tempo, nessa outra lógica, todos aqueles prepotentes de agora não passariam de uma mera piada sem a MENOR graça.

segunda-feira, 3 de março de 2008

Momentânea-mente

Suas sobrancelhas se erguem,
seus olhos brilham como o sorriso que a sua boca dá
você se abre me puxando para um abraço inevitável
e mais confortável que coberta em dia de chuva...
Eu simplesmente vou,
como brisa soprada em dias de verão
e fecho meus olhos momentâneamente,
por um segundo não escuto nada,
até que vozes cotidianas quebram o silêncio
e eu volto a pensar...

Música para os seus ouvidos

Pausa.
Breve, semibreve?
Contratempo.
Con-fusa, di-fusa.
Col-cheia de vontade,
Sustenida, assutada e temida
forte e fraca...
Pausa.
Pulso fora de compasso.
Metrônomos me enervam:
sou fora do bom tom e do tempo...
Minha tônica dominante é sensível,
Nem maior ou menor do que eu sou,
sem fugas,
somente sinfonias e amantes noturnos
Prelúdios sem dó,
canções adocicadas em sol
Sonata acordada,
em um minueto apaixonada:
Fermata desmedida.
Ser solo é triste,
Dueto é melhor...
Pausa...
Pausa...
Pausa...
Na pauta: o silêncio.

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

(continuação)

Depois de não pensar durante dias, de terem evaporado silenciosamente suas lágrimas, de ter brotado dentro de si um sorriso sereno, agradecido ao acaso que bem sabe o que faz, ela resolveu começar de novo, escrevendo: Eu confio...
E, de repente, o peso, os suspiros vacilantes, o nó na garganta azul clara esvaneceram-se, como um pássaro que é solto e voa livre sem saber pra onde vai, como um rio que chega ao mar e se dissolve na imensidão, como uma gota de chuva que penetra o solo sedento da saliva do universo... como um vislumbre da verdade mais profunda, que desaparece em menos de um segundo...
Então, guardou sua pena e foi viver os doces momentos dos quais a vida é feita.

sábado, 9 de fevereiro de 2008

Sem palavras

Ela olhou a página em branco e estremeceu...
Um nó na garganta lhe extraiu lágrimas agridoces: aquela era a vida dela agora - uma página em branco que, nesse momento, ela não sabia como preencher.
Pensava no passado, pensava que não devia pensar no passado – mas estava tudo tão próximo, tão ao seu alcance... sua mente cortante gritava “não!”, o seu coração impaciente exclamava “eu não sei!”
Onde havia ficado a sua coragem? Em que gaveta estava trancada?
Onde estavam as mãos que enxugariam seu choro sentido?
Sentiu-se imensamente só no vazio do presente, embora intuitivamente soubesse que estar no presente era esvaziar-se, mas não foi confortável essa idéia...
Sabia que devia estar feliz por ter nas mãos a pena para escrever como quisesse a sua história, mas se sentiu tão frágil... se sentiu tão em pedaços... que nada lhe restava a não ser seguir em frente... como sempre esteve desde o começo – sozinha.
Limpou o rosto, suspirou doloridamente e se perguntou se não estava sendo dramática demais, se não teimava tanto em amar demais, se não criava expectativas demais o tempo todo. Perguntas para as quais suas respostas sempre seriam “sim!”. Talvez porque ser exagerada daquela forma fosse parte fundamental de ser ela mesma naquela hora: romântica e instável, racional e tão irracional ao mesmo tempo...
Sorriu... como em um dos provérbios infernais de William Blake - Excesso de pranto ri. Excesso de riso chora.
Sorriu e chorou e se conformou momentaneamente com suas confusões.
Soluçou, mordeu os lábios, guardou a caneta e o papel, olhou para baixo e deixou para mais tarde escolher as melhores palavras para começar de novo...
(Nesse mesmo instante soube, sem saber, que a solução jamais viria em palavras.)

Provérbios do Inferno





No tempo de semeadura, aprende; na colheita, ensina; no inverno, desfruta.
Conduz teu carro e teu arado sobre a ossada dos mortos.
O caminho do excesso leva ao palácio da sabedoria.
A Prudência é uma rica, feia e velha donzela cortejada pela Impotência.
Aquele que deseja e não age engendra a peste.
O verme perdoa o arado que o corta.
Imerge no rio aquele que a água ama.
O tolo não vê a mesma árvore que o sábio vê.
Aquele cuja face não fulgura jamais será uma estrela.
A Eternidade anda enamorada dos frutos do tempo.
À laboriosa abelha não sobra tempo para tristezas.
As horas de insensatez, mede-as o relógio; as de sabedoria, porém, não há relógio que as meça.
Todo alimento sadio se colhe sem rede e sem laço.
Toma número, peso & medida em ano de míngua.
Ave alguma se eleva a grande altura, se se eleva com suas próprias alas.
Um cadáver não revida agravos.
O ato mais alto é até outro elevar-te.
Se persistisse em sua tolice, o tolo sábio se tornaria.
A tolice é o manto da malandrice. O manto do orgulho, a vergonha.
Prisões se constroem com pedras da Lei; Bordéis, com tijolos da Religião.
A vanglória do pavão é a glória de Deus.
O cabritismo do bode é a bondade de Deus.
A fúria do leão é a sabedoria de Deus.
A nudez da mulher é a obra de Deus.
Excesso de pranto ri. Excesso de riso chora.
O rugir de leões, o uivar de lobos, o furor do mar em procela e a espada destruidora são fragmentos de eternidade, demasiado grandes para o olho humano.
A raposa culpa o ardil, não a si mesma.
Júbilo fecunda. Tristeza engendra.
Vista o homem a pele do leão, a mulher, o velo da ovelha.
O pássaro um ninho, a aranha uma teia, o homem amizade.
O tolo, egoísta e risonho, & o tolo, sisudo e tristonho, serão ambos julgados sábios, para que sejam exemplo.
O que agora se prova, outrora foi imaginário.
O rato, o camundongo, a raposa e o coelho espreitam as raízes; o leão, o tigre, o cavalo e o elefante espreitam os frutos.
A cisterna contém: a fonte transborda.
Uma só idéia impregna a imensidão.
Dize sempre o que pensas e o vil te evitará.
Tudo em que se pode crer é imagem da verdade.
Jamais uma águia perdeu tanto tempo como quando se dispôs a aprendercom a gralha.
A raposa provê a si mesma, mas Deus provê ao leão.
De manhã, pensa, Ao meio-dia, age. Ao entardecer, come. De noite, dorme.
Quem consentiu que dele te aproveitasses, este te conhece.
Assim como o arado segue as palavras, Deus recompensa as preces.
Os tigres da ira são mais sábios que os cavalos da instrução.
Da água estagnada espera veneno.
Jamais saberás o que é suficiente, se não souberes o que é mais que suficiente.
Ouve a crítica do tolo! É um direito régio!
Os olhos de fogo, as narinas de ar, a boca de água, a barba de terra.
O fraco em coragem é forte em astúcia.
A macieira jamais pergunta à faia como crescer; nem o leão ao cavalo como apanhar sua presa.
Quem reconhecido recebe, abundante colheita obtém.
Se outros não fossem tolos, seríamos nós.
A alma de doce deleite jamais será maculada.
Quando vês uma Águia, vês uma parcela do Gênio; ergue a cabeça!
Assim como a lagarta escolhe as mais belas folhas para pôr seus ovos, o sacerdote lança sua
maldição sobre as alegrias mais belas.
Criar uma pequena flor é labor de séculos.
Maldição tensiona: Benção relaxa.
O melhor vinho é o mais velho, a melhor água, a mais nova.
Orações não aram! Louvores não colhem!Júbilos não riem! Tristezas não choram!
A cabeça, Sublime; o coração, Paixão; os genitais, Beleza; mãos e pés, Proporção.
Como o ar para o pássaro, ou o mar para o peixe, assim o desprezo parao desprezível.
O corvo queria tudo negro; tudo branco, a coruja.
Exuberância é Beleza.
Se seguisse os conselhos da raposa, o leão seria astuto.
O Progresso constrói caminhos retos; mas caminhos tortuosos sem Progresso são caminhos de Gênio.
Melhor matar um bebê em seu berço que acalentar desejos irrealizáveis.
Onde ausente o homem, estéril a natureza.
A verdade jamais será dita de modo compreensível, sem que nela se creia.
Suficiente! ou Demasiado.

Os Poetas antigos animaram todos os objetos sensíveis com Deuses e Gênios, nomeando-os e adornando-os com os atributos de bosques, rios, montanhas, lagos, cidades, nações e tudo quanto seus amplos e numerosos sentidos permitiam perceber.E estudaram, em particular, o caráter de cada cidade e país, identificando-os segundo sua deidade mental;
Até que se estabeleceu um sistema, do qual alguns se favoreceram, & escravizaram o vulgo com o intento de concretizar ou abstrair asdeidades mentais a partir de seus objetos: assim começou o Sacerdócio;
Pela escolha de formas de culto das narrativas poéticas. E proclamaram, por fim, que os Deuses haviam ordenado tais coisas. Desse modo, os homens esqueceram que todas as deidades residem no coração humano.

WILLIAM BLAKE. (retirado de "O Casamento do Céu e do Inferno.")

quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

Poesia
Luz negra, batom vermelho, movimento amarelo
Mãos, bocas e olhos
Ê-X-T-A-S-E
Poesia


Êxtase: [Do gr. ékstasis, pelo lat. tard. ecstase, exstase, extase.]
S. m.
1. Arrebatamento íntimo; enlevo, arroubo, encanto.
2. Admiração de coisas sobrenaturais; pasmo, assombro.
3. Psiq. Fenômeno observado na histeria e nos delírios místicos, e que consiste em sentimento profundo e indizível que aparenta corresponder a enorme alegria, mas que é mesclado de certa angústia: fica o paciente quase de todo imobilizado, parecendo haver perdido qualquer contato com o mundo exterior.
4. Psicol. Estado de alma em que os sentidos se desprendem das coisas materiais, absorvendo-se no enlevo e contemplação interior.
5. No culto grego de Dioniso, estado de inspiração e entusiasmo.

segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

O encontro da rosa e da borboleta

Acordei de repente - 3 horas da manhã dentro de uma barraca de neon. Vozes do mar sussurravam uma súbita canção de ninar estrondosa e eu, com um sorriso há tanto tempo ausente, despertei por dentro...
Nesse momento me veio à cabeça, finalmente, uma imagem poética, uma metáfora linda sobre como os encontros de alma são transformadores... sorri novamente, testando se estava deveras feliz depois de tanto tempo, e então meus lábios se espreguiçaram mais um pouco, as maçãs do meu rosto se moveram gentilmente, abrindo espaço para um suspiro sereno me dizer que "sim! você se sente viva, feliz e tem o coração batendo forte de emoção!"
Fiquei brincando com imagens que passavam pelos meus olhos fechados preguiçosamente: uma borboleta rasgava suas belas asas enquanto uma rosa triste e murcha a mirava impressionada. As duas se reconheceram na melancolia e nenhuma entendeu os motivos da outra. Instintivamente se entrelaçaram a lagarta que costumava ser borboleta e a rosa que costumava ser rubramente reluzente e se amaram impensadamente, se amaram esquecendo a tristeza, a beleza e seus fardos, se amaram até que caiu a primeira gota de orvalho. Foi quando vôou com asas de pétalas a renascida borboleta e sorriu luminosamente, espalhando pelos ares um perfume incandescente, a rosa, que agora era dourada.
Após esse bonito devaneio, olhei para o relógio e já era hora : abri a cortina e o céu cinza-azulado da madrugada já estava sendo pintado de laranja forte. Saí descalça, sedenta, esquecendo todos os meus segredos, abrindo a minha vida para a vida e vi o sol, lentamente se apresentando, ouvi o mar balbuciando seu agradecimento pela luz que o tornava cada vez mais verde claro, senti a brisa que passava como de costume nesse horário pela praia e, mais uma vez, a minha boca insistiu em tomar forma de sorriso. Eu, então, me entreguei... me entreguei para aquele momento único que me transformou sem que eu soubesse...
Continuo sorrindo até agora...