quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

(continuação)

Depois de não pensar durante dias, de terem evaporado silenciosamente suas lágrimas, de ter brotado dentro de si um sorriso sereno, agradecido ao acaso que bem sabe o que faz, ela resolveu começar de novo, escrevendo: Eu confio...
E, de repente, o peso, os suspiros vacilantes, o nó na garganta azul clara esvaneceram-se, como um pássaro que é solto e voa livre sem saber pra onde vai, como um rio que chega ao mar e se dissolve na imensidão, como uma gota de chuva que penetra o solo sedento da saliva do universo... como um vislumbre da verdade mais profunda, que desaparece em menos de um segundo...
Então, guardou sua pena e foi viver os doces momentos dos quais a vida é feita.

sábado, 9 de fevereiro de 2008

Sem palavras

Ela olhou a página em branco e estremeceu...
Um nó na garganta lhe extraiu lágrimas agridoces: aquela era a vida dela agora - uma página em branco que, nesse momento, ela não sabia como preencher.
Pensava no passado, pensava que não devia pensar no passado – mas estava tudo tão próximo, tão ao seu alcance... sua mente cortante gritava “não!”, o seu coração impaciente exclamava “eu não sei!”
Onde havia ficado a sua coragem? Em que gaveta estava trancada?
Onde estavam as mãos que enxugariam seu choro sentido?
Sentiu-se imensamente só no vazio do presente, embora intuitivamente soubesse que estar no presente era esvaziar-se, mas não foi confortável essa idéia...
Sabia que devia estar feliz por ter nas mãos a pena para escrever como quisesse a sua história, mas se sentiu tão frágil... se sentiu tão em pedaços... que nada lhe restava a não ser seguir em frente... como sempre esteve desde o começo – sozinha.
Limpou o rosto, suspirou doloridamente e se perguntou se não estava sendo dramática demais, se não teimava tanto em amar demais, se não criava expectativas demais o tempo todo. Perguntas para as quais suas respostas sempre seriam “sim!”. Talvez porque ser exagerada daquela forma fosse parte fundamental de ser ela mesma naquela hora: romântica e instável, racional e tão irracional ao mesmo tempo...
Sorriu... como em um dos provérbios infernais de William Blake - Excesso de pranto ri. Excesso de riso chora.
Sorriu e chorou e se conformou momentaneamente com suas confusões.
Soluçou, mordeu os lábios, guardou a caneta e o papel, olhou para baixo e deixou para mais tarde escolher as melhores palavras para começar de novo...
(Nesse mesmo instante soube, sem saber, que a solução jamais viria em palavras.)

Provérbios do Inferno





No tempo de semeadura, aprende; na colheita, ensina; no inverno, desfruta.
Conduz teu carro e teu arado sobre a ossada dos mortos.
O caminho do excesso leva ao palácio da sabedoria.
A Prudência é uma rica, feia e velha donzela cortejada pela Impotência.
Aquele que deseja e não age engendra a peste.
O verme perdoa o arado que o corta.
Imerge no rio aquele que a água ama.
O tolo não vê a mesma árvore que o sábio vê.
Aquele cuja face não fulgura jamais será uma estrela.
A Eternidade anda enamorada dos frutos do tempo.
À laboriosa abelha não sobra tempo para tristezas.
As horas de insensatez, mede-as o relógio; as de sabedoria, porém, não há relógio que as meça.
Todo alimento sadio se colhe sem rede e sem laço.
Toma número, peso & medida em ano de míngua.
Ave alguma se eleva a grande altura, se se eleva com suas próprias alas.
Um cadáver não revida agravos.
O ato mais alto é até outro elevar-te.
Se persistisse em sua tolice, o tolo sábio se tornaria.
A tolice é o manto da malandrice. O manto do orgulho, a vergonha.
Prisões se constroem com pedras da Lei; Bordéis, com tijolos da Religião.
A vanglória do pavão é a glória de Deus.
O cabritismo do bode é a bondade de Deus.
A fúria do leão é a sabedoria de Deus.
A nudez da mulher é a obra de Deus.
Excesso de pranto ri. Excesso de riso chora.
O rugir de leões, o uivar de lobos, o furor do mar em procela e a espada destruidora são fragmentos de eternidade, demasiado grandes para o olho humano.
A raposa culpa o ardil, não a si mesma.
Júbilo fecunda. Tristeza engendra.
Vista o homem a pele do leão, a mulher, o velo da ovelha.
O pássaro um ninho, a aranha uma teia, o homem amizade.
O tolo, egoísta e risonho, & o tolo, sisudo e tristonho, serão ambos julgados sábios, para que sejam exemplo.
O que agora se prova, outrora foi imaginário.
O rato, o camundongo, a raposa e o coelho espreitam as raízes; o leão, o tigre, o cavalo e o elefante espreitam os frutos.
A cisterna contém: a fonte transborda.
Uma só idéia impregna a imensidão.
Dize sempre o que pensas e o vil te evitará.
Tudo em que se pode crer é imagem da verdade.
Jamais uma águia perdeu tanto tempo como quando se dispôs a aprendercom a gralha.
A raposa provê a si mesma, mas Deus provê ao leão.
De manhã, pensa, Ao meio-dia, age. Ao entardecer, come. De noite, dorme.
Quem consentiu que dele te aproveitasses, este te conhece.
Assim como o arado segue as palavras, Deus recompensa as preces.
Os tigres da ira são mais sábios que os cavalos da instrução.
Da água estagnada espera veneno.
Jamais saberás o que é suficiente, se não souberes o que é mais que suficiente.
Ouve a crítica do tolo! É um direito régio!
Os olhos de fogo, as narinas de ar, a boca de água, a barba de terra.
O fraco em coragem é forte em astúcia.
A macieira jamais pergunta à faia como crescer; nem o leão ao cavalo como apanhar sua presa.
Quem reconhecido recebe, abundante colheita obtém.
Se outros não fossem tolos, seríamos nós.
A alma de doce deleite jamais será maculada.
Quando vês uma Águia, vês uma parcela do Gênio; ergue a cabeça!
Assim como a lagarta escolhe as mais belas folhas para pôr seus ovos, o sacerdote lança sua
maldição sobre as alegrias mais belas.
Criar uma pequena flor é labor de séculos.
Maldição tensiona: Benção relaxa.
O melhor vinho é o mais velho, a melhor água, a mais nova.
Orações não aram! Louvores não colhem!Júbilos não riem! Tristezas não choram!
A cabeça, Sublime; o coração, Paixão; os genitais, Beleza; mãos e pés, Proporção.
Como o ar para o pássaro, ou o mar para o peixe, assim o desprezo parao desprezível.
O corvo queria tudo negro; tudo branco, a coruja.
Exuberância é Beleza.
Se seguisse os conselhos da raposa, o leão seria astuto.
O Progresso constrói caminhos retos; mas caminhos tortuosos sem Progresso são caminhos de Gênio.
Melhor matar um bebê em seu berço que acalentar desejos irrealizáveis.
Onde ausente o homem, estéril a natureza.
A verdade jamais será dita de modo compreensível, sem que nela se creia.
Suficiente! ou Demasiado.

Os Poetas antigos animaram todos os objetos sensíveis com Deuses e Gênios, nomeando-os e adornando-os com os atributos de bosques, rios, montanhas, lagos, cidades, nações e tudo quanto seus amplos e numerosos sentidos permitiam perceber.E estudaram, em particular, o caráter de cada cidade e país, identificando-os segundo sua deidade mental;
Até que se estabeleceu um sistema, do qual alguns se favoreceram, & escravizaram o vulgo com o intento de concretizar ou abstrair asdeidades mentais a partir de seus objetos: assim começou o Sacerdócio;
Pela escolha de formas de culto das narrativas poéticas. E proclamaram, por fim, que os Deuses haviam ordenado tais coisas. Desse modo, os homens esqueceram que todas as deidades residem no coração humano.

WILLIAM BLAKE. (retirado de "O Casamento do Céu e do Inferno.")