terça-feira, 19 de abril de 2011

cotidiano

Peixes tranquilamente roncam bolhinhas de ar no fundo do rio.
Oposta ao sol, que lança um último raio fino no horizonte degradê,
A lua cheia dourada se apruma entre árvores.
Sentada no chão, estou entre o sol e a lua e acima dos peixes:
Numa ponte, miro o céu através da teia de uma aranha.

sexta-feira, 15 de abril de 2011

Sobre as flores e as trepadeiras...

Já era ser Hera.
Cansei de grudar, de envolver, de sufocar outras plantas na ânsia pelo abraço.
Agora sou flor.
Caliandra do cerrado. Flor do sol. Lótus azul. Lírio.
Rosa, com cada espinho necessário e com todo o perfume inevitável.
Permaneço imóvel.
Sendo quem Eu Sou.
Quem quiser e se atrever, que experimente o meu néctar.
E ele com certeza é para poucos:
Azedinho-doce, com um amargo quase imperceptível ao final.
Não admito mais vespas nem zangões-zangados me ferroando.
Continuo aberta aos beija-flores mais sensíveis, entretanto.
E também à brisa (os sussurros in(can)descentes),
Aos raios de sol matutinos (as miradas admiradas douradas de êxtase)
E às gotas de orvalho (feitas do mais puro suor).
Sei que é perigoso ser flor: aberta e sem controle.
Mas apesar de frágeis as minhas pétalas e sépalas,
Eu guardo em mim o porvir do fruto
e contenho, assim, inumeráveis sementes futuras:
desse modo, eu sou forte e infinita.
Cansei de ser trepadeira.
Agora sou apenas uma flor
livre do esforço de se enroscar loucamente em outros seres
para existir plena e bela.

domingo, 10 de abril de 2011

Rosa dos ventos

Tatuei em mim uma rosa dos ventos.
Cada pétala metálica aponta para uma direção.
Cada parte de mim caminharia para um lado, separada. Mas assim já foi. Já foi em muitas vidas!
Agora é tempo de que todas as criaturas-criadoras-caminhantes que existem em mim voltem para o centro - para o miolo da flor, ali, onde o néctar e o pólen alimentam o espírito. Só assim, depois de nutrida, minha alma polinizadora poderá seguir a viagem:
Primeiro para o sul, lá, onde o passado, querido professor, me ensina a ir em frente - nua.
A serpente, guardadora desse caminho, sibila me dizendo: arranque suas roupas velhas. Elas já não lhe servem mais! Atravesse sinuosa a Água sem se afogar. Deixe para trás todas as mágoas - elas que são um peso imenso para quem pretende um dia voar.
Depois um passo para o Oeste -  onde me deparo com os meus medos. Vinda nua da direção sul, eu me sento na Terra e me entrego ao silêncio do pôr-do-sol. Contemplo seus raios se despedindo e compreendo a morte do dia como a única possibilidade de contemplar as estrelas.  Mirando-as brilhantes, percebo a infinitude índigo do desconhecido e entendo que para seguir o caminho preciso da força e da confiança das ursas que sabem sair da toca na hora certa .
Em seguida para o Norte - lá, onde o vento toca bem de leve a minha fronte. Onde aprendo que todas as minhas palavras invisíveis se transformam em realidade palpável. Guardo o meu sopro divino com cuidado para não dispersá-lo em vão. Abro os meus ouvidos e escuto atenta uma voz que me diz: siga seu caminho com suas asas de borboleta bem abertas.
Enfim o Leste. Ali, onde o sol e a lua nascem juntos enquanto uma águia corta os céus num vôo magnificamente livre. É primavera. Floresço como um ramalhete de flores de Fogo. Desperto. Me desapego de cada ilusão colhida no caminho. Reconheço a minha verdade. Renasço.
E assim devo ir subindo mais um dos tantos degraus dessa espiral cósmica para onde sou guiada, pois sei que devo seguir sem cessar ( porém fazendo todas as paradas necessárias).
Pego a minha bússola, que é a minha própria voz interior (tantas vezes negligenciada), e me pergunto por onde trilhar os meus caminhos? Pra onde aponta o meu ponteiro? Por onde é melhor que eu vá agora?
A resposta ainda não é clara.
Minha única certeza é a de que eu, Rosa, devo desabrochar aos quatro Ventos.












Veja com seus pés a textura da poeira do tempo.