segunda-feira, 24 de março de 2008

Poesia pra você olhar...

Te vês nos meus olhos
e brilhas mais que os astros nas minhas pupilas.
Se sorries para mim, sorries uma vez a mais para ti mesmo.
E quando piscas, embora deixes de ver por alguns segundos,
ainda apareces flutuante nas linhas marrons da minha íris.

Quando sou eu quem pisca,
continuas visível em tudo o que eu sou,
pois teu reflexo não é somente ótica,
teu reflexo é o meu amor por ti estampado nos meus olhos,
e se então eu os fecho, não estás aprisionado neles,
porque existes também em qualquer outra parte de mim.

Passeando pelas minhas sinapses, nadando no meu sangue.
Mutante, invisível, pequeno, plural
Brincando na minha pulsação, escorregando nos meus cachos
para dormir nos meus seios...
E quando te encontras do lado de fora,
Sou eu quem te olha.

Ignoro a minha imagem, que também mora no teu olhar,
para ver somente a ti, agora colorido e singular,
ao alcance das minhas mãos e perto dos meus ouvidos,
Dizendo como me amas sem dizer palavra alguma de amor.

quinta-feira, 13 de março de 2008

Beija-me


Beija-me, amor
Quando quer que tenhas o menor sinal de vontade,
Mas que não sejam nunca poucos
Os teus anseios por mim.

Beija-me, mesmo o mais breve dos beijos -
um beijo que é o instante antes dos teus dedos me tocarem,
quando por dentro estou dormente (sou milhares de reações em cadeia)
e por fora é impossível saber que qualquer indício teu,
até mesmo um olhar desinteressado
faz-me sentir a tua língua passeando por toda minha extensão.

Beija-me, como se estivesses ao meu lado
e te virasses para mim sem me reconhecer -
Como se tudo fosse absolutamente estranho.
Beija-me, sem saber que eu sou o lugar
onde desenhas teus abraços e apagas tua agonia.

E, quer por instinto ou por amor,
Percebe o gosto meu te enlaçando o tempo todo
Em tudo o que te olha com espanto,
Em tudo que só quer um beijo teu,
Quando quer que tenhas o menor sinal de vontade
Porém, o menor sinal da maior de todas as vontades...
(Gravura de E. Munch)

terça-feira, 4 de março de 2008

Desabafo sabor vinho tinto seco

Indignou-se suavemente, como quem fuma uma cigarrilha de chocolate e vê a matéria transformar-se em fumaça aos poucos... numa antiga comunicação com os deuses, esquecida, enterrada, porém tão parte de todos nós.
Sentia-se absolutamente normal... era isso o que ela aparentava ser, já que, por fora, vivia num mundo totalmente anti-natural - o mundo de quase todos nós - o mundo cotidiano e comum dos burocratas, servos, ovelhas, mulherzinhas, machistões, capitalistinhas, pequeno-burgueses, médio-burgueses, burgueses inteiros, políticos, "em cima do muros", esquerdistas corrompidos, direitistas convencidos, ordinária gente cheia de tapa-olhos invisíveis ao olhar geral.
Anestesiando-se para se desanestesiar de uma mesmice sutilmente imposta, ela não se conteve em sorrir cinicamente ao pensar que a liberdade é uma transgressão nesse mundo em que vivemos e, justamente por isso, havia tanta necessidade de transgredir nas mínimas coisas, porque talvez se sentisse menos amarrada em uma teia perversa que simplesmente não faz o menos sentido de ser.
Riu... porque por dentro sabia existir um mundo muito mais rico, cheio de poesia e brincadeira e, lá, ela tinha certeza que jamais seria ordinária... e por esse mundo ser tão real dentro dela, lhe confortava saber que um dia ele existiria fora dela também...
E nesse tempo, nessa outra lógica, todos aqueles prepotentes de agora não passariam de uma mera piada sem a MENOR graça.

segunda-feira, 3 de março de 2008

Momentânea-mente

Suas sobrancelhas se erguem,
seus olhos brilham como o sorriso que a sua boca dá
você se abre me puxando para um abraço inevitável
e mais confortável que coberta em dia de chuva...
Eu simplesmente vou,
como brisa soprada em dias de verão
e fecho meus olhos momentâneamente,
por um segundo não escuto nada,
até que vozes cotidianas quebram o silêncio
e eu volto a pensar...

Música para os seus ouvidos

Pausa.
Breve, semibreve?
Contratempo.
Con-fusa, di-fusa.
Col-cheia de vontade,
Sustenida, assutada e temida
forte e fraca...
Pausa.
Pulso fora de compasso.
Metrônomos me enervam:
sou fora do bom tom e do tempo...
Minha tônica dominante é sensível,
Nem maior ou menor do que eu sou,
sem fugas,
somente sinfonias e amantes noturnos
Prelúdios sem dó,
canções adocicadas em sol
Sonata acordada,
em um minueto apaixonada:
Fermata desmedida.
Ser solo é triste,
Dueto é melhor...
Pausa...
Pausa...
Pausa...
Na pauta: o silêncio.