quinta-feira, 10 de março de 2011
Arqueologias
Lembrei-me hoje da primeira vez em que fui a uma Terra Indígena na minha vida – Abril de 2005, frio de cinco graus, Votouro, Rio Grande do Sul. Eu com seis anos a menos, viajando pra longe, sozinha, com o coração partido, no meio de uma separação, no meio de uma paixão nova e desconcertante, perdida entre o certo e o duvidoso...
Engraçado como algumas memórias simplesmente somem e, por um período, é como se alguns momentos nem tivessem existido, por mais importantes e significativos que tenham sido. Tenho a impressão de que eu sempre dou menos valor a eles do que eles merecem... Talvez isso se deva ao fato de eu não ter estado ali por inteiro, por ter estado pensando no que faltava, sem perceber que no fundo, tudo o que era necessário residia ali, naquele instante. Ou, quem sabe, eu apenas tenha uma memória ruim...
O que importa é que hoje eu revivi essas lembranças indígenas assim, de repente... Provavelmente porque passei alguns dias tão imersa na natureza que foi inevitável me lembrar do contato com culturas que estão tão intimamente ligadas a Ela.
Cavoucando mais um pouco esse passado, vasculhei cancerianamente todas minhas gavetas e, além das fotos da primeira vez que visitei uma aldeia, achei impressões esquecidas num caderno de folhas azuis de quando eu estava me despedindo da FUNAI, na minha última viagem feita por lá:
“Myky... longe, no meio do Mato Grosso. Sem luz, sem água encanada, quase como há anos atrás (tirando as roupas e o orelhão no meio da aldeia).
Incrível sentir tantos cheiros – a cada ângulo entre a cabeça e o pescoço um odor diferente: das flores de limão, das flores de caju, da terra seca, da fumaça, do cerrado...
À noite, lua quase cheia clareou os caminhos. Todas as estrelas apareceram quando as mulheres ninaram o tempo, o vento e as crianças nos ventres das mães-meninas. Todas as estrelas brilharam quando os mais velhos tocaram suas flautas de cinco notas.
Eu não pensei em nada. Só apreciei cansada, querendo ir pra minha rede dentro da oca de palha trançada. E, não sei por quê, de repente olhando para o céu chorei vendo a imagem da Nina (minha cachorrinha falecida) no véu fino de nuvens.
No meio do Mato Grosso, na aldeia dos Myky.
Nunca me esquecerei desse cheiro de flores me visitando a toda hora inesperada.”
E por mais que eu tenha escrito isso, por cinco anos eu me esqueci do cheiro das flores me visitando a toda hora inesperada... E hoje, felizmente, vieram até mim essas recordações.
Fiquei emocionada me lembrando desses dias suspensos em algum tempo-espaço e, de algum modo, mesmo que eu os tenha olvidado até então, eles fazem parte de quem eu sou hoje. E que bom que agora, nesse momento, eu me dou conta de tudo isso – afinal, como a natureza que eu reaprendo cada dia mais a reverenciar com todo o meu amor e respeito, eu também sou feita de ciclos...
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